O movimento independentista Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC), que reivindica a independência daquela enclave anexado por Angola em 1975, propôs às Nações Unidas a realização de uma cimeira para relançar o processo de paz.
“P or ocasião da 75.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, que celebra este ano o seu 75.º aniversário, a direcção político-militar da FLEC-FAC aproveita a oportunidade para relançar o processo de paz em Cabinda” e “encoraja” o secretário-geral da ONU, António Guterres, a “incentivar o diálogo entre as partes”.
Os independentistas convidam António Guterres a organizar uma “mini-cimeira” consagrada à paz e segurança da região, sugerindo um encontro em Brazzaville (capital da República do Congo), sob a direcção de Denis Sassou-Nguesso, presidente em exercício da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL).
Além do Presidente angolano, João Lourenço, deveriam também participar nesta reunião de alto nível o Presidente da República Democrática do Congo e segundo vice-presidente da União Africana, Félix Tshisekedi, bem como John Pombe Joseph Magufuli, actual presidente da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral).
Segundo os separatistas, a cimeira deveria resultar na adopção de uma resolução reclamando o diálogo entre o Governo angolano e a FLEC-FAC.
A FLEC-FAC espera que a ONU “assuma as suas responsabilidades com o povo de Cabinda e assegure o pleno respeito pelo direito inalienável à autodeterminação” e saúda as iniciativas de António Guterres no sentido de apelar ao cessar-fogo nas situações de conflito armado devido à crise sanitária mundial, causada pela Covid-19.
Os independentistas têm acusado as Forças Armadas Angolanas de causarem várias mortes entre civis, na região fronteiriça daquela província separada geograficamente de Angola e denunciaram “manobras hostis do Governo angolano contra os refugiados cabindenses nos Congos”.
Cabinda, onde se concentra a maior parte das reservas petrolíferas do país, não é contígua ao restante território e, desde há muitos anos que líderes locais defendem a independência, alegando (com razão) uma história colonial autónoma de Luanda.
A FLEC, através do seu “braço armado”, as FAC, luta pela independência do enclave, alegando (mais uma vez com razão) que o enclave era um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.
Cabinda é delimitada a norte pela República do Congo, a leste e a sul pela República Democrática do Congo e a oeste pelo Oceano Atlântico.
E por falar em Portugal, recorde-se que a FLEC, no dia 16 de Setembro de 2018, convidou o primeiro-ministro português, que nessa altura se deslocava a Luanda, a visitar o território. Como António Costa só faz o que João Lourenço quer, a eventual visita ficou sem efeitos durante o tempo em que o MPLA for governo.
No documento então divulgado, a Direcção Político-Militar da FLEC-FAC adiantava que o convite se destina a que António Costa possa “inteirar-se pessoalmente da realidade, longe da máquina de propaganda angolana, a encontrar os seus compatriotas cabindeses e reunir com as chefias militares e políticas do movimento independentista”.
“A FLEC-FAC e todos os cabindeses acreditam que, por intermédio de Portugal e da vontade e coragem do senhor primeiro-ministro de Portugal, António Costa, uma solução que ponha fim ao conflito em Cabinda poderá ser encontrada”, lê-se no comunicado, assinado por Emmanuel N’zita, presidente da FLEC/FAC, chefe do Governo provisório e também chefe supremo das FAC. Já em 20 de Abril desse ano igual convite fora feito a António… Guterres e o resultado está à vista.
No comunicado o presidente do movimento pede ainda a António Costa, que, durante a sua visita a Angola, interceda junto do presidente angolano João Lourenço “a favor de uma paz negociada para Cabinda”.
Emmanuel N’zita declarou que a Direcção Político-Militar da FLEC-FAC “ainda acredita” que Portugal pode ter “o papel principal nas negociações que levem ao estabelecimento definitivo da paz” em Cabinda.
A FLEC-FAC refere que António Costa deve (devia se Portugal fosse, em matérias internacionais, um verdadeiro Estado de Direito) ter em conta “os vínculos históricos e a herança que une as duas Nações” e “o apego inabalável dos cabindas a Portugal”.
Emmanuel N’zita disse ainda que depositava em António Costa “toda e total confiança para defender a dignidade do povo de Cabinda, acabar com o sofrimento do povo cabindês e dar um passo firme para o fim da guerra em Cabinda”.
Antes, a 6 de Setembro, num outro comunicado, a FLEC-FAC afirmou “lamentar o silêncio cúmplice” de António Costa perante a “repressão militar angolana no território ocupado”, constituindo uma “atitude que envergonha todos os Estados-membros da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], sobretudo a nação portuguesa”.
“Denunciamos o silêncio do Governo português, em particular a cumplicidade do primeiro-ministro português [António Costa] com a Angola de João Lourenço, que reprime a população indefesa de Cabinda”, lê-se no comunicado, assinado por Jean Claude Nzita, secretário para a Informação e Comunicação e porta-voz da FLEC-FAC.
No comunicado, o movimento referiu que o Governo português “continua a fechar os olhos à política agressiva de Angola em Cabinda, o que é um escândalo histórico” e pede aos países-membros da CPLP “que reconheçam Cabinda como membro de pleno direito” da organização, “apesar da influência do Governo angolano na organização”.
Ingenuidade das pessoas de bem
Ingenuamente os cabindas continuam a pensar que Portugal poderá fazer alguma coisa para repor a verdade e, sobretudo, a dignidade deste Povo. Dizem-nos que os cabindas tinham alguma (embora pouca) esperança no que o presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, poderia fazer em relação às reivindicações do Povo de Cabinda. O melhor é não ter a mínima esperança. O mesmo se aplica a António Guterres. O mesmo se aplica a António Costa.
Vamos por partes. Só por manifesta falta de seriedade intelectual e cobardia, típica dos sucessivos governos portugueses é que Portugal pode dizer (mesmo que pense o contrário) que Cabinda é parte integrante de Angola.
Cabinda – repita-se – foi comprada pelo MPLA nos saldos lançados pelos então donos do poder em Portugal, de que são exemplos, entre outros, Melo Antunes, Rosa Coutinho, Costa Gomes, Mário Soares, Almeida Santos.
É claro que, tal como em Timor-Leste, até à vitória final, continuará a indiferença (em grande parte comprada com o petróleo de… Cabinda), seja de Portugal, da CPLP, da ONU ou de qualquer outra coisa que tenha preço. Desconhecemos que haja alguma que não tenha preço.
E é pena, sobretudo quanto a Portugal, que à luz do Direito Internacional ainda é a potência administrante de Cabinda. Lisboa terá um dia de perceber que Cabinda não é, nunca foi, nunca será uma província de Angola. Tal como, ao contrário do que dizia Salazar, Angola só foi província portuguesa (Portugal, na altura, ia do Minho a Timor) pelo uso da força.
Por manifesta ignorância histórica e política, bem como por subordinação aos interesses económicos do regime do MPLA, os governantes portugueses fingem, ao contrário do que diziam pensar do Kosovo, que Cabinda sempre foi parte integrante de Angola. Mas se estudarem alguma coisa sobre o assunto, verão que nunca foi assim, mau grado o branqueamento dado à situação pelos subscritores portugueses do Acordo de Alvor.
O Povo de Cabinda, embora habituado a comunicados enviesados do Governo angolano sobre Cabinda, continua a ter dificuldades em compreender e digerir o que o regime entende como verdades absolutas.
Verdades absolutas que lembram aquelas do Império romano que, aliás, tinha homens sérios na sua direcção. Diz o provérbio latino que quem se cala (parece) que consente, e é por isso que a sociedade civil de Cabinda acha pertinente ir dizendo de sua justiça, diante de tantos quiproquós gerados e difundidos pelo regime.
Ouvindo a verdade absoluta do regime, fica-se com a impressão que o nacionalismo cabinda, com as suas lídimas aspirações à autodeterminação, surge nos fins dos anos noventa. Essa é a estratégia oficial que, ao subverter a realidade, tenta passar a ideia de que os cabindas são terroristas e subversivos, justificando por isso prisões, raptos e assassinatos.
A “paz” que o regime impõe em Cabinda é ter as povoações cercadas de militares, é impedir que os cabindas vão livremente às lavras e à caça, é conviverem, sem direito à indignação, com a discriminação e permanentemente sob a mira de uma polícia com carta-branca para tudo, de uma Polícia de Investigação Criminal que primeiro prende e, posteriormente, investiga.
Reconciliação para os cabindas é, segundo o regime do MPLA, desaparecer como Povo e ajoelhar-se diante um poder sempre predisposto a humilhar e a descaracterizá-lo. Desenvolvimento para Cabinda é ter a mão estendida aos dois Congos para o frango, o feijão, o cimento e para a dor de dentes.